16.6.09
O Fiasco Socrático
Passou mais um acto eleitoral em que os Portugueses foram convocados a escolher os seus deputados preferidos, desta feita para o Parlamento Europeu.
Primeira nota a salientar :
O Partido do Governo, do Primeiro-Ministro José Sócrates, saiu claramente derrotado. Este Partido, que reluto em designar de socialista, por respeito aos militantes, escassos que sejam, que ainda não desistiram de lutar politicamente sob inspiração da ideologia que um dia os levou a aderir a tal agremiação, está hoje transformado numa espécie de União Nacional de interesses avulsos de corporações e particulares, onde a última coisa que agora importa é a ideologia.
O actual Partido dito Socialista atingiu um ponto de tão profunda descaracterização ideológica e ética, que o nosso distante mas sempre dilecto Antero de Quental, se porventura aqui regressasse, sofreria provável fulminante apoplexia, só de ver e ouvir alguns dos seus mais destacados dirigentes.
A descaracterização introduzida neste Partido pelas suas duas últimas lideranças – a de António Guterres e a de José Sócrates – vai exigir, da parte sã sobreviva, um empenho extraordinário de redefinição dos princípios doutrinais fundadores, para muitos, admito, já estranhos de tão ostensivamente esquecidos.
Segunda nota :
A actual vitória do PSD, num quadro de altíssima abstenção, aproximadamente 62%, não deve ser tomada como prenúncio de nova vitória nas próximas eleições legislativas, a realizar de aqui a três meses, mas apenas como proporcionando encarar esse combate com justificado optimismo.
Terceira nota :
Saíram furadas as previsões algo suspeitas das Empresas de Sondagens que davam como praticamente garantida a vitória socialista, coisa que quase todos os órgãos de comunicação social, grandemente favoráveis ao Governo Sócrates, se apressavam a repetir até à exaustão.
Afinal, nem tudo ainda é possível na arte de mentira e da ilusão política. O Povo, mesmo aturdido pela forte propaganda socrática, ainda guarda um laivo que seja de autonomia capaz de desfazer a tramóia.
Quarta nota :
O êxito alcançado pelo PSD deve-se muito mais a Rangel que a MFLeite, de que cumpre relevar a discrição adoptada durante o decorrer da campanha. Com isso evitou o efeito nocivo da sua propensão para cometer deslizes, em resultado da sua fraca intuição política.
Faltará saber se à sua volta ainda subsistem certas irrelevâncias da era barrosista-santanista que nada de bom poderão augurar. Se não forem afastadas essas irrelevâncias o resultado pode ser funesto, se não logo no acto eleitoral, certamente depois dele na constituição de eventual futuro Governo, facto que, a suceder, conduzirá a nova frustração do eleitorado, liquidando, porventura, de vez a confiança política dos portugueses no PSD e, pior ainda, no sistema democrático, em si mesmo.
Veremos se resta na direcção política do PSD uma quota de bom senso suficiente para impedir a repetição do último falhanço governativo do PSD.
Dada a inconsciência das consabidas irrelevâncias, o pior cenário é de temer.
Quinta e última nota :
Por agora, respira-se melhor, com a moderação da ufania socrática. Até o ferrabrás do Santos Silva parecia um dócil cordeiro na noite das eleições. Analogamente, também o estilo arrogante e arruaceiro de Vital se desvaneceu. Ele e a sua azougada companheira de campanha, a diplomata ( ? ) Ana Gomes, poderão finalmente iniciar um período de reconciliação mental com a realidade, acaso lhes sobre sanidade bastante para tal.
Sócrates igualmente terá de baixar crista, ainda que dificilmente perca aquele seu hábito altercador de vulgar politiqueiro, que o tem colocado a anos-luz de um desejado perfil de estadista. Nem de político ele alguma vez o atingirá, quanto mais de estadista…
Aguardemos então a evolução dos acontecimentos, sem euforias descabidas, mas também sem excessivo comedimento.
AV_Lisboa, 16 de Junho de 2009